O consumismo é uma das doenças mais graves dos nossos tempos e figura entre as maiores ameaças à humanidade. Apesar disso ele é fortemente induzido pelo nosso modelo suicida de desenvolvimento. É por isso que precisamos encontrar consumidores responsáveis, cidadãos, capazes de compreender que é uma questão de sobrevivência tomar partido em favor do consumo consciente.
“A avassaladora farra consumista desencadeada a partir da Revolução Industrial, potencializada com o avanço tecnológico dos meios de produção e universalizada pela mídia na era da globalização, está custando caro ao planeta.” Essa constatação do jornalista e professor André Trigueiro nos mostra claramente como é grave o que estamos vivendo.
“Sem saber nos guiar sobre a relevância das coisas, acabamos perdendo a capacidade de lidar com as sutilezas da vida, de reflexão crítica.” E compramos, compramos, compramos… “Condicionados como bons soldados, não recusamos a missão de esvaziar um Shopping Center.” O problema é que como bem disse Trigueiro: “o consumismo depreda a vida”. Talvez você não saiba, mas consumo e consumismo são duas coisas diversas. O consumo é necessário à vida: precisamos comer, beber, nos vestir, nos divertir, estudar, etc. Apesar do conceito de necessário ser de foro íntimo e variar de pessoa para pessoa, é fácil perceber que não necessitamos do consumismo. Que repito é diferente de consumo. O consumismo é o exagero, é o ato de se comprar aquilo que não se precisa, é comprar de forma excessiva, é gastar tudo o que se tem na aquisição de produtos supérfluos. Mas… vamos deixar o extremismo de lado, pois certamente “não consumimos apenas para satisfazer as nossas necessidades ‘primeiras’, mas também para sonhar, distrair-se, aparecer, descobrir outros horizontes, ‘aliviar’ a existência cotidiana”, como esclarece o filósofo e pesquisador Gilles Lipovetsky. Que por outro lado também afirma “sem dúvida, é necessário corrigir a sociedade de hiperconsumo, reorienta-la segundo caminhos menos desiguais e mais ‘responsáveis: não a ponto, porém, de reverte-lhe a economia ‘frívola’ em favor de uma espécie de ascetismo racional”. Em outras palavras, podemos desenvolver um modo de vida mais correto, aquele do caminho do meio, onde a finalidade é realizar o máximo de bem-estar humano com um padrão ótimo de consumo.
No entanto, ao atribuir excessiva ênfase a esses valores, nossa sociedade encorajou a busca de metas perigosas e não éticas. Não éticas, pelos mais variados motivos, sobretudo devido ao seu modelo de desenvolvimento e meios de produção, fortemente comprometidos com a maximização dos lucros. Comprometimento este que rapidamente exaure com os recursos naturais não renováveis do planeta. Bem como, pelos seus artifícios de publicidade, que com imenso repertório de sons, imagens, arquétipos manipulam os sentidos na direção da banalização do consumo e do consumo compulsivo.
Como os danos ambientais causados por esse sistema são argumentos batidos de respeitáveis relatórios, me concentrarei neste texto aos impactos sociais – que também são muitos e provocam uma significativa queda da qualidade de vida, através de doenças psicológicas, violência, desarmonia, etc. Sim, também causa tudo isso… e você sabia que o consumismo é uma doença? Ela se chama oneomania, ou consumo compulsivo. Os seus sintomas são claros e evidentes: usufruir apenas do momento da compra; rapidamente deixar o produto recém-comprado de lado; e, não raro, sentir-se culpado.
O consumismo é uma das doenças mais graves dos nossos tempos
e figura entre as maiores ameaças à humanidade.
O Worldwatch Institute, no Relatório Estado do Mundo 2004, afirmou que “o consumismo desenfreado é a maior ameaça à humanidade”. Neste relatório seus pesquisadores denunciaram que “altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a qualidade de vida de muitas pessoas”. Porém, o mais chocante (ao menos para mim) é que esse consumo excessivo se restringe a uma minoria. “Apenas uma parte ínfima da população do planeta têm condições de consumir além das necessidades básicas.” E o que se passa no mundo se reflete no Brasil: “a maioria dos brasileiros simplesmente não tem a opção de consumir mais do que o necessário”. São milhares os “brasileiros excluídos dessa farra consumista, mas não isentos do bombardeio de anúncios que abrem o apetite para sonhos de consumo irrealizáveis e que, muitas vezes, geram ansiedade, angústia e frustração”. Não só, são as crianças e as famílias as maiores vítimas do estresse familiar gerado por esse incentivo ao consumo desenfreado (fato denunciado por esse mesmo relatório).
Justamente por reduzir a importância da vida social e atrofiar os bens relacionais é que o incentivo ao consumo desenfreado é o grande devastador do equilíbrio mental e social, uma vez que ele escraviza as pessoas ao dinheiro e aos bens materiais. Mas, como diz Lipovetsky, “a vida boa não pode ser confundida com o avanço consumista”.
“O espírito de consumo infiltra-se nas relações do consumidor com a família, com o trabalho, com a religião, com a política, com o lazer. Vivemos numa espécie de império do consumo em tempo integral, servido por um mercado diversificado que, a uma só vez, satisfaz e incentiva a ilimitada aspiração de novos prazeres. Mas a felicidade que daí resulta é uma felicidade ferida: jamais, mostra Lipovetsky, o indivíduo contemporâneo atingiu tal grau de desamparo, pois tornou-se o único responsável por seu êxito ou seu fracasso, estando assim constantemente sujeito a medos, ansiedades e frustrações.”
É, é difícil imaginar um mundo tranquilo quando “a publicidade alcança indistintamente ricos e pobres (muito mais pobres do que ricos)”. É por isso que se deve questionar esse sistema que seduz com os mesmos apelos vorazes de consumo diferentes camadas sociais. Isso só acaba por reforçar a fortuna de alguns super ricos e o nível de vida miserável de bilhões de indivíduos, já que essas classes não são capazes de responderem do mesmo modo a esses apelos, ou seja, quem tem dinheiro banca o ‘sonho’; já para quem não tem, diz Trigueiro: “A resignação é o caminho. A depressão, um risco. A violência uma possibilidade”.
Não é por menos que o atual sistema de valores e o estilo de vida consumista estão sendo cada vez mais questionados. Alguns falam que estamos vivendo em uma época de transformação, onde nossas intuições e sociedades clamam por inovação e adaptação social. Gosto de acreditar que a estrutura das nossas percepções já está se alterando. Todavia, a verdade é que, tanto os questionadores quanto os que acreditam nessa época de transformação, ainda são muito poucos, pois como já nos indicava Saramago: “estamos cegos de razão”. Talvez essa cegueira se alastre em função da facilidade, mas até mesmo essa facilidade vê-se diante do fim. E de alguma forma já detectamos o alerta para a urgência de mudarmos hábitos e comportamentos fortemente arraigados em nossa cultura. “Esses impactos nos levam a um impasse civilizatório: ou a sociedade de consumo enfrenta o desafio da sustentabilidade ou teremos cada menos água doce e limpa, menos florestas, menos solos férteis, menos espaços para a monumental produção de lixo e outros efeitos colaterais desse modelo suicida de desenvolvimento”, alerta Trigueiro.
O fato é que só conseguiremos fazer frente a estes desafios ambientais e sociais por meio de uma evolução, uma evolução do nosso sistema econômico e dos seus valores culturais.
“Talvez tivéssemos que aguardar o cansaço e o tédio ‘pós-industrial’ de hoje, com o consumo de massa e a conscientização dos custos sociais e ambientais crescentes, para não mencionar a decrescente base de recursos, a fim de que pudéssemos atingir as condições em que o sonho dos utopistas, de uma ordem social baseada na cooperação e economicamente harmoniosa, se tornasse realidade”, diz Trigueiro e talvez ele tenha razão. Entanto, o que agora conta mesmo é que você entenda que se conhecer e se posicionar como consumidor é importante. E que principalmente compreenda que é uma questão de sobrevivência tomar partido em favor do consumo consciente. Ser um consumidor consciente significa ter a melhor consideração sobre o impacto do seu ato de consumo. É recusar o consumismo sem consciência, formatado e sob influência. É privilegiar a qualidade de vida, escapar do condicionamento publicitário, preocupar-se em resgatar o controle da sua vida cotidiana emancipando-se do conformismo de massa e fazendo a sua parte na construção de uma nova sociedade de consumo, onde a compra de cada produto ou serviço é precedida de alguns pequenos cuidados. A começar por pensar antes de comprar, deixando de lado o impulso, e checando se o que você pretende adquirir é realmente necessário e fundamental. “Os questionamentos do consumismo desenfreados não são tidos apenas como imperativos para garantir a sobrevivência do planeta: são por vezes consideradas as únicas soluções socialmente justas, assim como as mais desejáveis em função do ideal da felicidade e do viver melhor.” [Lipovetsky]
Ser comprometido ou consciente de seu ato de consumo significa que, no mínimo, antes de comprar você considera alguma questão que não esteja relacionada diretamente ao preço e à qualidade do produto. Dar preferência aos fabricantes e comerciantes comprometidos com energia limpa, redução e reaproveitamento de resíduos, reciclagem de água, responsabilidade social corporativa e outras iniciativas sustentáveis, por exemplo, é um bom começo.
Perceba que na nossa sociedade globalizada, o consumo consciente é uma questão e um ato de cidadania. Sendo um cidadão, consumidor consciente, você pode contribuir através dos seus gestos, para com a resolução dos grandes problemas da humanidade. Problemas como os da água, da energia, do lixo, da violência, etc.
Hoje vivemos na Era da Internet, onde se valoriza o consumidor, se valoriza as redes. Será a grande rede de consumidores conscientes, por meio de seus atos de cidadania individual, que irá permitir no futuro um mundo melhor. Por fim, lembre-se que o que conta antes de tudo é a salvaguarda do ‘patrimônio comum da humanidade’, é a defesa dos grandes equilíbrios planetários, a reconciliação da economia, da ecologia e da sociedade. Estou falando daquilo que falou Lipovetsky “uma modificação ‘realista’ e necessária das práticas produtivas, das políticas públicas e dos modos de consumo”. É imperativo limitar o consumismo, através da redução e qualificação do consumo, fundamentalmente, pela “razão de que os consumidores se tornaram os principais responsáveis pelo efeito estufa, os primeiros poluidores do planeta”. Saiba que já se foi o tempo em que o consumidor era uma vítima ou um fantoche alienado, hoje todos nós consumidores estamos nos bancos dos réus, porquanto que o princípio da responsabilidade não se restringe mais exclusivamente aos produtores. Agora ele se dirige também a nós.
A nossa Era clama por um consumidor responsável e cidadão, consciente de que deve se informar e educar rumo à missão de salvar o planeta através da mudança de seus gestos de todos os dias. Em outras palavras: através da conscientização da sua maneira de consumo. Ou seja, optando por produtos éticos, recusando a identificação com as marcas, comprando alimentos saudáveis, interrogando-se sobre o impacto ambiental dos produtos, informando-se sobre as condições sociais nas quais os artigos são fabricados, recusando-se a comprar para jogar fora, criticando a busca sistemática da novidade. Mudando - completamente - seu comportamento. Deixando de ser vítima passiva do mercado tornando-se um ator responsável, transformando-se em um sujeito que faz compras inteligentes, deixando, finalmente, de ser um fantoche-consumidor.
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Citações, fontes e fontes de inspiração: LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal. Ensaio sobra a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. TRIGUEIRO, André. Mundo sustentável. Abrindo espaço para a mídia para um planeta em transformação. São Paulo: Globo, 2005.Vida Simples de julho, 2014. Edição 147. Tempos de vazio e consumo, de Fernanda Villas Boas, publicado em Obvious. Servidão voluntária: o olhar de Bauman e Huxley sobre a sociedade de consumo, de Erick Moraes, publicado em Obvious.
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Chamo-me Farah Serra sou uma brasileira, de trinta e poucos anos, que vive em Gênova na Itália. Sem querer, descobri que amo contar histórias e fotografar. E porque quem fotografa deve fazê-lo em um espaço e em um tempo, e quem escreve deve viver um espaço e um tempo, estou sempre por aí. Estou no meu caminho – entre os meus blogs
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